
Por Carlina Ricardo*
O Brasil tem vivido, nas últimas semanas, um período especialmente delicado na segurança pública. A sequência de acontecimentos é marcante: da operação policial mais letal da história do país à criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre o crime organizado, passando pela tramitação acelerada de diversos projetos de lei no Congresso.
A Operação Contenção, deflagrada no Rio de Janeiro em 28 de outubro, deixou 121 pessoas mortas e foi tratada pelo governador Cláudio Castro como um “sucesso”, ainda que quatro de seus policiais tenham sido mortos, um deles há apenas dois meses na corporação. É inegável que enfrentar o domínio territorial de facções criminosas é um desafio complexo e que a atuação policial é parte essencial dessa resposta.
No entanto, cabe questionar: quais foram os resultados concretos no enfraquecimento do Comando Vermelho? Essas conquistas são sustentáveis? O fluxo de armas e recursos que alimenta a facção foi interrompido? Operações desse tipo têm sido repetidas há décadas no Rio de Janeiro e outros estados, com pouco impacto duradouro sobre o controle territorial das facções e custos humanos altíssimos para as populações que vivem nessas áreas.
Em operações bem sucedidas, moradores e policiais voltam vivos para casa, e suspeitos são presos, como manda a lei. As mortes, se ocorrerem, devem ser a exceção e não a regra. Há décadas temos alertado que operações realmente bem sucedidas não são aquelas que rendem dividendos eleitorais. Serve para o Rio de Janeiro, serve para São Paulo e outros estados, como escrevi com Samira Bueno, na ocasião da Operação Escudo, que também deixou um trágico saldo de mortes no litoral de São Paulo há cerca de dois anos.
Sucesso de verdade são operações silenciosas que já mostraram resultados duradouros para enfrentar e enfraquecer o crime de forma sustentável, eficiente e preservando vidas. O desafio é enorme, mas, se houver vontade política, há alternativas: articulação com o Governo Federal, com outros estados e órgãos de segurança pública e do sistema de justiça; seguir o rastro do dinheiro e desmontar sua estrutura financeira; interromper o fornecimento de armas para o crime organizado; investir em políticas públicas que apresentem oportunidades de vida como caminho para as juventudes.
A operação Dakovo, liderada pela Polícia Federal e deflagrada em 2023 revelou o papel central de uma empresa paraguaia que entre 2019 e 2023 importou 46 mil armas, fazendo 17 mil chegarem ao Brasil, incluindo 2.656 fuzis. Trata-se de um exemplo que mostra como o trabalho integrado entre autoridades pode desmantelar esquemas complexos. Desde uma busca em ônibus na Bahia que encontrou o armamento, até a cooperação com a Interpol e autoridades paraguaias, cada etapa demandou iniciativa, vocação e profissionalismo.
Enquanto a lógica do confronto ainda predomina, outras iniciativas mostram que é necessário atuar na segurança pública a partir de perspectivas diferentes. Como é o caso da nova edição da pesquisa “Onde Mora a Impunidade”, lançada no início de outubro, que expõe a urgência de aumentar o esclarecimento de homicídios no país, algo fundamental para quebrar a lógica de que matar não tem consequência presente nas dinâmicas do crime organizado. Já o “Panorama Nacional de Iniciativas de Prevenção a Violência Escolar” revela que é essencial que escolas e comunidades priorizem o diálogo, a mediação e o cuidado para encerrar os ciclos de violência. Conheça essas iniciativas abaixo e siga com a gente na defesa da segurança pública democrática e eficiente.
Carolina Ricardo é diretora Executiva do Instituto Sou da Paz*







