São Paulo (SP) ─ No mês mundial de combate ao câncer (iniciado no 4 de fevereiro), ao menos oito medicamentos oncológicos de alto custo incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) não estão chegando aos pacientes, porque o valor repassado pelo Ministério da Saúde aos governos estaduais não cobre o custo dessas novas drogas.
Levantamento do Instituto Oncoguia (ONG que dá apoio a pacientes com câncer) mostra que o atraso entre a incorporação e a entrega, que deveria ocorrer em 180 dias, chega a quase dez anos e afeta vários tipos de câncer avançado, como o de pulmão, de rins, de pele, de sangue, de mama e de próstata.
No Amazonas, a Fundação Centro de Controle de Oncologia (FCecon), referência no tratamento do câncer na região Norte, pacientes não estão tendo acesso ao gefitinibe para tratar o câncer de pulmão que tem a mutação EGFR, e tendo que interromper o tratamento na fase inicial da quimioterapia.
Para este ano de 2024, o Estado prevê o diagnóstico de 5.450 novos casos de câncer, sendo os mais frequentes são colo uterino, próstata e mama. No Amazonas, 700 mulheres são diagnosticadas por ano com câncer do colo do útero, e necessitam dos medicamentos de alto custo.
De acordo com o Instituto Oncoguia, os medicamentos o gefitinibe e o erlotinibe, por exemplo, deveriam estar disponíveis desde maio de 2014 nos centros oncológicos Cacons e Unacons que atendem SUS. Mas, o custo mensal das drogas por paciente é de R$ 4.192, mas o Ministério da Saúde só repassa R$ 1.100 aos Estados.
Os chamados inibidores de ciclinas (abemaciclibe, palbociclibe e succinato de ribociclibe), para câncer de mama avançado com mutação HR+ e HER2, são outro exemplo. Incorporados em dezembro de 2021, teriam que estar sendo ofertados desde junho de 2022, mas o valor do repasse por paciente R$ 2.378 mensais não cobre um quinto dos custos mensais R$ 12.896.
A questão passa pelo modelo de financiamento da assistência oncológica no SUS, que é diferente em relação a medicamentos de alto custo para outras doenças, que são adquiridos pelo Ministério da Saúde e repassados às secretarias de saúde dos Estados.
Os Cacons e Unacons que definem seus protocolos clínicos e fazem as compras dos remédios. Eles recebem do ministério um valor mensal por paciente, por meio da Autorização de Procedimento de Alta Complexidade (Apac), que, em tese, deveria cobrir o custo do tratamento, do remédio aos materiais para a infusão, como soro, luvas e agulhas.
Como essa escolha está diretamente atrelada ao custo do tratamento e ao valor da remuneração paga pelo ministério, grande parte dos medicamentos oficialmente incorporados ao SUS fica fora desse “menu”.
Pesquisa feita em 2017 pelo Oncoguia mostrou as desigualdades do acesso a tratamentos oncológicos dentro do SUS. Na época, nove estados tinham centros com diretrizes para câncer de pulmão metastático abaixo das recomendadas pelo ministério.
Segundo advogado Tiago Farina Matos, conselheiro de advocacy do Oncoguia, há um descaso nas diversas etapas dos processos de incorporação e pós-incorporação de antineoplásicos no SUS. “A Conitec (comissão que avalia a incorporação de novas tecnologias no SUS) tem que pensar como vai ser a dispensação, quanto vai custar. Se for definido que será por Apac, tem que ter um valor de lastro que cubra todo o custo do medicamento”, disse.
O caso da imunoterapia para o melanoma metastático (pembrolizumabe/nivolumabe) é emblemático. No processo de incorporação da droga, a fabricante propôs um preço de cerca de R$ 20 mil por paciente por mês se a compra fosse feita de forma centralizada pelo ministério. Mas isso não ocorreu.
No processo de incorporação, a Conitec concluiu que o razoável seria incorporar a medicação por cerca de R$ 12 mil por paciente por mês. “Só que não combinaram isso com os vendedores”, informou Matos.
No final, o valor da Apac ficou ainda menor: R$ 7.500 mensais por paciente. No entanto, o custo do remédio é de R$ 39.612 mensais. “É um negócio bizarro do começo ao fim”, afirma o advogado.
Segundo a psicóloga Luciana Holtz, fundadora e presidente da Oncoguia, os poucos centros oncológicos do SUS que ofertam essas drogas o fazem por meio de recursos extras, como doações e emendas parlamentares.
O imbróglio chegou à Justiça. Pacientes e hospitais têm ingressado com ações e pedidos de liminares para que o Ministério da Saúde garanta o acesso a essas drogas já incorporadas.
A Procuradoria da República do Rio Grande do Sul foi uma das que ingressaram com ações civis públicas pedindo que o ministério regularize a oferta quimioterápicos por meio do reajuste dos valores repassados aos centros ou de compras centralizadas.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que abrange os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, criou um grupo de conciliação que reúne ações judiciais de várias varas e tenta uma mediação com o governo federal para evitar mais processos por essa razão.
Saúde passa por revisão, diz nota do Ministério da Saúde
Em nota, o Ministério da Saúde informou que todos os procedimentos referentes ao diagnóstico e tratamento do câncer contidos na tabela SUS estão sendo revistos pela Coordenação-Geral da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, criada em janeiro de 2023.
Com relação à compra centralizada de quimioterápicos, esclarece que essa modalidade é avaliada em cada situação e pode se tornar uma solução para a aquisição de medicamentos de altíssimo custo.
Segundo o ministério, os remédios que constam no levantamento do Instituto Oncoguia se referem a antineoplásicos novos e de alto custo, que causam grande impacto no orçamento disponível para contemplar todas as situações, agravos, diagnósticos e tratamentos no SUS.
─ A avaliação do impacto orçamentário-financeiro é imperativo, de maneira a garantir que todas as estratégias cientificamente comprovadas sejam disponibilizadas para os usuários do SUS, de maneira equânime.
A pasta cita o exemplo do medicamento blinatumomabe, para o câncer infantil, que entrou para a tabela SUS no mês passado. Para tratar cerca de cem pacientes, o custo previsto é de R$ 25 milhões.
Segundo o ministério, a meta é que a recente lei sancionada que instituiu a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer e o Programa Nacional de Navegação da Pessoa com Diagnóstico de Câncer priorizem ações de prevenção do câncer e busquem garantir o acesso ao cuidado integral.
Com informações da Fola de S.Paulo