
A lição mais importante talvez seja esta: nem toda ameaça precisa ser respondida com pânico. A indústria do Amazonas já enfrentou inúmeros desafios ao longo das décadas — da desvalorização cambial aos ataques à ZFM. E sempre respondeu com resiliência.
*Por Nelson Azevedo [email protected]
Manaus (AM) ─ Diante de um espetáculo tenebroso de ameaças à ordem econômica global, como o tarifaço anunciado por Donald Trump, é natural que os ventos da insegurança agitem as estruturas do comércio internacional. Mas, mais do que nunca, é preciso convocar a serenidade. Muita calma nessa hora — porque só assim conseguiremos entender as origens, as implicações e as possibilidades ocultas sob o ruído das aparências.
Estratégicos, atentos e analíticos ─ Afinal, como nos lembra a fábula mal interpretada do avestruz, que supostamente enterra a cabeça na terra para fugir do perigo, nem sempre o que parece covardia é inércia. O avestruz, na verdade, encosta a cabeça no chão para escutar melhor os sons do ambiente, identificar ameaças e se preparar para agir com sabedoria. É esse tipo de escuta — estratégica, atenta, analítica — que precisamos adotar agora.
O tarifaço como ameaça global ─ As novas tarifas impostas por Trump acentuam o isolamento econômico dos EUA e instauram uma nova era de protecionismo agressivo. Para economias conectadas a cadeias globais de valor, como o Brasil, e especialmente para a Zona Franca de Manaus, que vive da integração entre mercados, tecnologias e incentivos fiscais, isso acende um alerta vermelho.
A singular posição do Brasil: o “benefício” dos 10% ─ Com a menor alíquota entre os países afetados (10%), o Brasil foi poupado — mas até que ponto isso é uma vantagem? Para o Amazonas, cuja economia industrial está profundamente entrelaçada com empresas de capital norte-americano, o gesto pode parecer amistoso, mas a política por trás pode esconder expectativas de alinhamento ou submissão. A calma nos ajuda a enxergar para além do alívio superficial.
A economia do Amazonas em xeque ─ A Zona Franca de Manaus depende de um modelo de contrapartida fiscal que compensa os custos logísticos e estruturais da região. Qualquer perturbação no comércio exterior — seja por tarifas, seja por volatilidade cambial — repercute com força em nossa base industrial. A presença significativa de empresas americanas torna o Amazonas particularmente sensível aos humores da Casa Branca.
FIEAM e o papel institucional na crise ─ Frente a esse cenário, a FIEAM se apresenta como farol institucional. Não há espaço para improvisos. É preciso liderar com articulação, informação e compromisso com o setor produtivo. Defender a ZFM neste novo contexto exige não só reivindicação, mas proposta. E isso nós temos e, se não temos integralmente, aprendemos a correr atrás em mutirão.
Fortalecimento do dólar e distorções cambiais ─ Um efeito colateral das tarifas é a valorização do dólar — o que, para o Brasil e o Amazonas, significa maior custo de importação, redução de margem de lucro e, possivelmente, desaceleração industrial. A dependência de insumos importados, somada à oscilação cambial, exige replanejamento urgente.
O risco da fragmentação do comércio global ─ Mais do que medidas pontuais, o tarifaço sinaliza um desprezo por regras multilaterais. Isso enfraquece organismos como a OMC – que infelizmente anda meio combalida – e mina acordos comerciais baseados em previsibilidade. Para o Brasil, e em especial para a ZFM, é a lógica do multilateralismo que sustenta a segurança jurídica dos investimentos internacionais.
Onde estão as oportunidades? ─ Com calma, também se enxerga melhor. E talvez haja aí uma brecha: o Brasil, e por consequência o Amazonas, pode se reposicionar como fornecedor estratégico em nichos valorizados — como energia limpa, alimentação, biodiversidade e bioeconomia. O modelo de desenvolvimento a partir da floresta em pé pode falar mais alto num mundo em transição.
Hora de inovar e rever estratégias ─ O susto causado pelo tarifaço pode ser catalisador de mudanças. Para a indústria do Amazonas, isso pode significar diversificação da matriz produtiva, reindustrialização com base em ciência e tecnologia e maior eficiência logística. Em vez de recuar, é hora de avançar com inteligência.
A resposta não pode ser isolada ─ Superar esse momento exige unidade entre setor público, setor privado e academia. A resposta brasileira precisa ser institucional, estratégica e diplomática. O Amazonas não pode ficar à margem dessas discussões — deve ser protagonista.
Sabedoria, colaboração e serenidade ─ A lição mais importante talvez seja esta: nem toda ameaça precisa ser respondida com pânico. A indústria do Amazonas já enfrentou inúmeros desafios ao longo das décadas — da desvalorização cambial aos ataques à ZFM. E sempre respondeu com resiliência. Mas agora, mais do que nunca, é a sabedoria coletiva que poderá nos guiar. Entender o ruído para além da aparência. Ouvir o solo, como o avestruz. E agir com firmeza e visão de futuro.
*Nelson Azevedo é economista e líder empresarial no setor metalúrgico, metalomecânico e de materiais elétricos de Manaus – SIMMMEM, conselheiro do CIEAM, da CNI e vice-presidente da FIEAM.