*Juscelino Taketomi
Manaus (AM) ─ Não me causou nenhuma empolgação a escolha do Brasil pela Fifa para sediar a Copa do Mundo Feminina de 2027, vencendo a concorrência de Alemanha, Holanda e Bélgica. Dizem ter preponderado na decisão o fato de o Brasil já possuir toda a infraestrutura necessária para a competição, oriunda da Copa masculina de 2014. E é isso que me causa espécie.
A princípio, a escolha soou justa e premia uma seleção que, sob nova direção, está mostrando futebol de maior qualidade e pode conquistar medalha na próxima competição internacional, a exemplo da seleção masculina que voltou a merecer a confiança nacional sob o comando de Dorival Júnior.
Contudo, relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a Copa de 2014, divulgado recentemente, acende sinal de alerta, recomendando vigilância acerca do que poderá acontecer em relação a Copa feminina até 2027. A herança das obras inconclusas, ou abandonadas, em 2014, é suficiente para deixar a sociedade de orelha em pé.
Festival de absurdos
No reino da incompetência e do descaso, as obras da Copa de 2014 registraram um festival de absurdos, com o dinheiro público indo pelo ralo da corrupção da forma mais cruel.
Enquanto os olhos do mundo se voltavam para os estádios reluzentes, nos bastidores governadores e prefeitos de capitais brincavam com o dinheiro público.
Com as comportas do BNDES escancaradas, eles mergulharam de cabeça em um oceano de recursos, e, ao invés de construírem uma nova era de infraestrutura, optaram por construir castelos incrustrados de ouro e diamantes para si mesmos.
O TCU tentou impor a lei em uma terra sem lei, como descreveu o jornal Globo. Mas seus esforços foram em vão ante a ganância dos chefes executivos larápios. Dez anos depois, eles não temem consequências. Estão impunes.
O espetáculo de obras inacabadas e abandonadas é uma afronta à inteligência de qualquer cidadão brasileiro. E não foi por falta de recursos que as obras de infraestrutura urbana ficaram pelo caminho.
Desperdício, roubo, bagunça
Em 2014, o BNDES abriu os cofres, esperando ver o país se transformar em um exemplo de mobilidade urbana para o planeta. Todavia, o que se viu foi uma caricatura grotesca de desperdício, roubo e bagunça, muita bagunça.
Em países do Primeiro Mundo, o planejamento é meticuloso e as prioridades são definidas com base em análises técnicas, mas aqui nas terras verdes, azuis e amarelas, o jogo é sempre sujo, dentro e fora de campo. O jogo é sempre do clientelismo e do oportunismo político.
Montanha-russa de corrupção
Licitações duvidosas, orçamentos que explodem como pipoca em panela quente e uma dança macabra de interesses escusos que transformam qualquer obra em uma montanha-russa de corrupção. Esse era o Brasil de 2014, que desaprendeu a jogar bola e por isso foi surrado por 7 a 1 na partida semifinal do torneio vencido pelos alemães.
O caso do VLT de Cuiabá foi emblemático, conforme O Globo. Nada menos que 1 bilhão de reais foi manuseado como se fosse troco de pão francês. A paisagem funesta: trens comprados e jogados por aí, deteriorando-se ao sol com os passageiros aguardando o milagre de uma mobilidade moderna que nunca chegou.
Ninguém se engane. O Brasil é pródigo em transformar sonhos de progresso em pesadelos de incompetência.
E quem está pagando a conta do circo de horrores de 2014? Os mais pobres, evidentemente, os que descolaram uma grana milionária para ir ao Estádio Mineirão no dia 8 de julho para ver o Brasil apanhar de 7 a 1 dos alemães.
Os que bancaram ─ e ainda estão pagando a conta infame – são aqueles que dependem do transporte público para sobreviver, condenados a perder horas preciosas em ônibus lotados e trens fantasmas.
A conta também é bancada pelos pobres diabos das favelas, onde a água limpa e o esgoto tratado são artigos invisíveis.
Verdade que o mundo avança, mas o Brasil patina na lama do banditismo oficial e da ineficiência.
A Copa do Mundo de 2014 – acreditem – deixou um legado pavoroso, um legado de roubo e vergonha. As obras, que eram tidas como prioridades máximas, permanecem inconclusas, e com certeza ficarão assim até o final dos tempos.
Então, muito cuidado. A Copa de Futebol Feminina de 2027 está bem perto. O Brasil perderá novamente de 7 a 1 para a corrupção? O breve tempo dirá.
*Juscelino Taketomi é jornalista