
Por Lúcio Carril*
Manaus (AM) ─ Com a ascensão da extrema direita no mundo, a democracia voltou a entrar na ordem do dia. Mesmo tendo chegado ao poder através do voto, essa corrente política e ideológica insiste em posições autoritárias e excludentes. Não se impõe na maioria dos Estados nacionais, mas ameaça boa parte do mundo ocidental, até mesmo em países com tradição democrática.
Essa ameaça desperta um debate inevitável: o que é a democracia nos dias atuais?
A extrema direita atua no campo democrático, mas combate esse regime. Trata-se de uma contradição fundamental, sem uma explicação coerente, apenas fundada numa compreensão tacanha de disputa do poder.
A democracia foi criada num estado de minoria. Escravos e mulheres não votavam. A maioria era composta de cidadãos, aqueles que tinham bens. Ou seja, essa maioria era uma minoria elitizada.
No Brasil, as mulheres só tiveram direito de votar a partir de 1933. Antes disso, negros e negras libertos também não votavam, impedidos pela Lei Saraiva, que limitava o voto a quem era alfabetizado.
A democracia começou torta, desde a Grécia escravagista. Até hoje é instrumento retórico, puxado pelo interesse da minoria dominante, como naquela Grécia antiga, onde a cidadania era reconhecida apenas para quem tinha bens.
A democracia hoje, desde seu primeiro respiro no mundo moderno, se tornou um afago da classe dominante aos anseios libertários da classe dominada. Você vota e tudo se resolve na representação, naquele que você votou.
Isso é ultrapassado. A democracia precisa ser repensada. A eleição deve ser um instrumento de inclusão e não de exclusão de parte que constitui a sociedade e a própria população.
A democracia hoje não pode ser a democracia grega da escravidão. Ela tem que incluir todos e todas, sem distinção de cor, raça, credo, sexualidade, estrato social, posição política e ideológica.
Tomemos como exemplo o país de Trump, capitão-mor da extrema direita.
Dá pra dizer que a democracia dos Estados Unidos é uma democracia? Sim, dá. Mas não é modelo de democracia. Lá tem racismo oficial, tem eleição indireta para presidente, tem compra de votos, tem apenas dois partidos que disputam a eleição há 170 anos. E tem gente que diz que é a maior democracia do mundo.
Não. Democracia é inclusão, hoje. Não é mais uma democracia censitária. Aquilo foi no início. Se tem país que ainda mantém esse modelo, não é mais democracia. Avançamos. Os modelos de inclusão podem ser através de comitês populares, colegiados, territórios eleitorais, etc.
A democracia representativa é uma fraude. A sociedade precisa ser empoderada e se tornar força política. Não precisamos de modelos. Precisamos construir meios para continuar desenvolvendo a sociedade e a civilização.
*Lúcio Carril é Sociólogo amazonense