
Manaus (AM) – Nos últimos sete anos, o Amazonas tem transformou-se em um palco sombrio de prisões de agentes públicos. O que deveria ser exceção virou rotina alarmante, com delegados da Polícia Civil, militares da Polícia Militar e servidores de pastas essenciais, como a saúde, sendo constantemente algemados.
Esse cenário se intensificou de forma preocupante no primeiro mandato do governador Wilson Lima (União Brasil) ─ 2019 a 2022. E se mantém até agora no terceiro ano de sua administração, e levanta sérias dúvidas sobre a capacidade de comando do próprio governo, fortalece o crime organizado e contribui para um clima de insegurança generalizada na cidade.
A recente prisão do delegado Adriano Félix, pela Polícia Federal, serve como um novo e contundente lembrete de um problema que parece ter raízes profundas na estrutura do estado.
A sequência de prisões de delegados e policiais militares é particularmente chocante e, para muitos, um sinal claro de que algo está seriamente errado na cúpula da segurança pública amazonense, cujos cargos de comando foram preenchidos pela atual gestão.
Em julho de 2021, a Operação Garimpo Urbano, uma ação conjunta do Ministério Público e da Polícia Federal, prendeu o delegado Samir Freire, então chefe do setor de inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, ao lado de outros policiais civis.
A prisão de uma figura tão estratégica, em um cargo de confiança nomeado pelo governador do Estado, já indicava um problema sério de infiltração criminosa dentro da própria força de segurança.
Massacre no rio Abacaxis ─ Ainda em 2021, mas com desdobramentos cruéis e duradouros, o estado foi abalado pelo massacre do rio Abacaxis, ocorrido no município de Borba (distante 221 quilômetros de Manaus). Neste trágico episódio, investigações posteriores indicaram a participação e responsabilidade de altas patentes da segurança pública, todas em postos-chave nomeados pelo governador.
O então secretário de Segurança, Coronel Louismar Bonates, e o comandante-geral da PM, Coronel Ayrton Neto, além de outros onze militares, foram apontados por envolvimento nas mortes ocorridas na operação. O caso do rio Abacaxis é um marco sombrio, extrapolando os desvios de conduta individual e apontando para a possível falha na gestão de operações de segurança e a responsabilidade de comandos superiores em eventos de extrema violência.
Caso Ericson ─ Avançando para março de 2024, o delegado Ericson de Souza Tavares, titular do 6º Distrito Integrado de Polícia de Manaus, foi alvo de prisão preventiva. Juntamente com outros nove policiais – entre civis e militares – e duas outras pessoas, Tavares, também em posição de comando, era investigado por suspeita de extorsão.
Ações como essa, que envolvem agentes de diferentes corporações em um mesmo esquema, sugerem a existência de redes criminosas estruturadas, operando impunemente à margem da lei. Atualmente, o delegado está trabalhando em função administrativa.
Operação Audácia ─ Em julho de 2024, a Operação Audácia do Gaeco expôs mais um capítulo sombrio. Após uma investigação conduzida pela 60ª Promotoria Especializada no Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público do Estado do Amazonas (Proceap/MPAM), em conjunto com as polícias Civil e Militar, oito policiais militares, incluindo um oficial, foram presos por tráfico de drogas.
A presença de agentes de segurança envolvidos com o tráfico, muitos em posições hierárquicas, reforça a percepção de um Estado vulnerável à influência do crime.
Operação Triunvirato ─ Em novembro de 2024, a Operação Triunvirato Humaitá levou à prisão do delegado de Polícia Civil Mário Melo, também em posição de confiança. Ele era acusado de fazer parte de um esquema que utilizava postos-chave para desviar e comercializar bens apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), que eram encaminhados à Delegacia Especializada de Polícia (DEP) de Humaitá.
Esse tipo de crime é duplamente perverso, pois corrompe a cadeia de custódia e descredibiliza todo o trabalho de apreensão de bens criminosos.
Operação Indignos ─ E já em janeiro de 2025, o delegado Jorge Arcanjo foi afastado pela Polícia Civil do Amazonas, sob suspeita de participação em uma organização criminosa que atua em diversos estados do Brasil. Na época, ele foi um dos alvos da Operação Indignos da Polícia Federal.
Embora os atos criminosos atribuídos a ele tenham ocorrido antes de sua nomeação em 2023, sua presença na corporação, mesmo que por um curto período, levanta questões sobre os filtros de integridade na entrada de novos quadros.
Essa avalanche de prisões de agentes da lei, muitos em posições de comando indicadas pelo governador, e a sombra do massacre do rio Abacaxis não só colocam em xeque a moral e a eficácia das polícias, mas enviam um sinal perigoso: a linha tênue entre o combate ao crime e a participação nele parece, por vezes, tênue demais.
Isso inevitavelmente fortalece o crime organizado, que encontra brechas e até mesmo colaboradores dentro das próprias estruturas estatais, culminando em um clima de insegurança que permeia o cotidiano de Manaus e de todo o estado.
Além das algemas policiais ─ O problema da corrupção no Amazonas não se restringe à segurança. A corrupção tem ramificações em setores vitais, como a Saúde, onde o desvio de recursos significa menos hospitais equipados, menos medicamentos e, em última instância, menos vidas salvas.
Em meio à pandemia de Covid-19, em 2020, o estado foi abalado pela prisão de secretários de Saúde por suspeita de desvio de recursos públicos. A gravidade da situação levou o próprio governador Wilson Lima a se tornar réu em um processo referente à controversa compra de ventiladores pulmonares em uma adega de vinhos.
Esses escândalos na saúde, em um momento de fragilidade extrema da população, expuseram a profundidade da crise ética na administração pública.
O comando em dúvida ─ A quantidade incomum de prisões de figuras públicas em postos estratégicos, todas elas em cargos de confiança nomeados pelo governador Wilson Lima, e o envolvimento de altos comandos em tragédias como a do rio Abacaxis, fogem do normal e exigem uma reflexão profunda sobre a governança.
A repetição desses escândalos sugere que os mecanismos de controle interno e as políticas de integridade podem ser falhos ou insuficientes, e que à responsabilidade não se limita aos executores, mas se estende a quem comanda as pastas e, em última instância, ao chefe do executivo.
A inação ou a resposta percebida como tímida por parte do governo Wilson Lima diante de tamanha fragilidade levanta questionamentos sobre a capacidade de seu comando em conter a sangria da corrupção e garantir a lisura das ações de segurança e demais pastas.
A sensação é de que o problema é sistêmico e que a tolerância a essas práticas, ou a dificuldade em erradicá-las, tem um custo social altíssimo.
A população do Amazonas clama por respostas claras e por ações contundentes. A confiança nas instituições está em frangalhos e a luta contra o crime organizado, que se infiltra nos meandros do poder, torna-se uma batalha ainda mais difícil quando as próprias ferramentas de combate estão comprometidas e quando a sombra da violência estatal paire sobre seus cidadãos.
É urgente que a administração pública demonstre um compromisso inabalável com a transparência e a probidade para reverter esse cenário alarmante e devolver a esperança de um estado mais seguro e justo.
Da Redação







