Manaus (AM) ─ O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski negou seguimento, no último dia 8 de agosto, a reclamação do governador do Amazonas, Wilson Lima (UB), contra o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia (CPI da Pandemia), no Senado, que teve cópias encaminhadas ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao Procurador-Geral da República e ao Departamento de Polícia Federal.
A defesa de Wilson Lima argumentou a ilegalidade de seu indiciamento por parte da CPI, por crimes comuns e de responsabilidade relacionados aos seus atos de governo, com base em uma liminar da ministra do STF Rosa Weber que garantiu o direito dos governadores não comparecerem, se quisessem diante da Comissão.
Ricardo Lewandowsky entendeu que os atos que integram o relatório final da CPI da Pandemia com o pedido do governado, “não se verifica a ocorrência de afronta direta”. E que, atendida a reclamação, obstaria qualquer tipo de apuração, pelos órgãos competentes, das condutas que ele praticou durante a pandemia.
O ministro considerou que a CPI apenas propôs o encaminhamento dos crimes atribuídos a Wilson Lima na pandemia, aos órgãos competentes. “Não caracterizada, portanto, a existência de aderência estrita entre o alegado nesta reclamação e o acórdão (de que CPI no Congresso não pode investigar atos estaduais) invocado como paradigma, conforme exigido pela jurisprudência desta Suprema Corte”, afirmou Lewandowsky.
Veja a íntegra da decisão: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15352586649&ext=.pdf
O relatório do ministro cita que, no relatório final da CPI da Pandemia, naquilo que interessa para a análise da reclamação, ficou estabelecido que: “6.7.7 A responsabilidade do Governador do Amazonas e do Secretário de Estado de Saúde por atos relacionados ao enfrentamento da pandemia.
Infrações penais ─ É importante registrar que, no dia 20 de setembro de 2021, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça recebeu denúncia criminal apresentada contra o governador Wilson Lima. O Ministério Público Federal acusa o chefe do Poder Executivo amazonense de diversas infrações penais, entre as quais dispensa irregular de licitação, fraude a procedimento licitatório, peculato, liderança em organização criminosa e embaraço às investigações.
Essas condutas teriam sido praticadas durante o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus e estariam relacionadas à compra de 28 respiradores, que sequer serviriam para atender pacientes graves de covid-19. De acordo com a denúncia apresentada, os respiradores foram adquiridos por R$ 110 mil a unidade, mas o preço de mercado desse equipamento seria de apenas R$ 17 mil. O prejuízo estimado, portanto, seria da ordem de mais 317 de R$ 2 milhões.
Ainda segundo a acusação, o governador teria atuado diretamente nessa contratação, entregando a compra dos respiradores aos cuidados de um empresário, com a participação de uma loja vinhos, sem qualquer capacidade técnica para atuar na área de equipamentos médicos. Essas irregularidades foram apontadas durante os trabalhos desta Comissão. Com efeito, esta Relatoria indagou ao ex-secretário de Saúde, Marcellus Campêlo, sobre os fatos, quando ele afirmou que, ao assumir como secretário, “já haviam instaurado uma sindicância e a Controladoria-Geral do Estado estava apurando isso”.
O senador Eduardo Girão (Podemos/CE) também lembrou que estava em andamento o Inquérito 1.306, cujo objeto era apuração desses fatos. Como se verifica, portanto, as condutas relatadas receberam a devida atenção dos órgãos de persecução penal e os possíveis infratores já estão sendo processados. Na linha dos trabalhos realizados por esta CPI, nossa expectativa é que, comprovada a ocorrência de crime, sejam os respectivos agentes devidamente responsabilizados.
Ações inadequadas ─ A responsabilidade do governador do Amazonas, todavia, vai além. A situação do estado exigia atenção e providências não só do governo federal, como também do governo estadual. As ações do governador e do secretário de Saúde daquele estado, contudo, não se mostraram adequadas, tampouco tempestivas. Conforme apurado, foi editado o Decreto estadual no 43.234, de 23 de dezembro de 2020, prevendo medidas restritivas no período de festividades e a abertura de novos leitos de UTI, o qual, apesar do recrudescimento da pandemia, foi revogado.
O governo estadual revogou essa norma sem o devido embasamento técnico-científico, cedendo às manifestações populares realizadas na capital do estado contra as medidas restritivas então impostas. É importante observar que estamos falando de um momento em que a adoção de medidas não farmacológicas, tais como o distanciamento e o isolamento social, já se mostravam eficazes e necessárias para conter o espalhamento dos casos de covid-19. Ademais, o estado do Amazonas já havia vivenciado uma primeira onda de covid, quando já se pôde perceber que o sistema de saúde estadual não teve capacidade de resposta suficiente.
Por outro lado, o governo estadual saiu em defesa do tratamento precoce, que, como se sabe, é composto por fármacos ineficazes contra o novo coronavírus. Além disso, trata-se de um protocolo medicamentoso que traz uma falsa sensação de segurança às pessoas, que tomam os remédios acreditando que estarão protegidas e muitas vezes deixam de adotar outras medidas de proteção.
O caos no sistema de saúde do Amazonas, portanto, era previsível, assim como as consequências da não-adoção de medidas preventivas relacionadas ao controle de novos casos da doença e prescrição de tratamento precoce com remédios ineficazes.
A assunção do risco da propagação do novo coronavírus naquele Estado fez surgir indícios da prática de crime de epidemia com resultado morte por parte do governador Wilson Lima. Demais disso, como visto, tanto o governador como o secretário de saúde do Amazonas, Marcellus José Barroso Campêlo deixaram, sem qualquer justificativa plausível, de praticar ato que lhes cabia, no caso, a aquisição tempestiva de oxigênio medicinal.
Indícios de prevaricação ─ Ambos tinham ciência da fragilidade do sistema de saúde amazonense e da possibilidade de desabastecimento e consequente colapso, mas mantiveram-se inertes. Há indícios, assim, de que tenha ocorrido o crime de prevaricação”.
E, cita, ainda que, ao final, o relatório formulou, no ponto que interessa, o seguinte requerimento:
“14. ENCAMINHAMENTOS ─ Em relação aos crimes mencionados no item anterior, deverão ser encaminhadas, sem prejuízo de eventuais conexões processuais:
[…]
iii) ao Superior Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral da República e ao Departamento de Polícia Federal, cópias do presente relatório e dos documentos e oitivas relacionados aos fatos praticados pelo Governador do Estado do Amazonas Wilson Lima (art. 105, I, a, da Constituição Federal); (doc. eletrônico 6, fl. 1.124, grifo no original)”.