
“O pontífice escreveu, exortou e se envolveu com a Amazônia; ele a escutou, a sentiu e a defendeu com fervor. O amor de Francisco pela floresta e pelos povos que nela habitam transcendeu palavras, manifestando-se em ações concretas e em uma espiritualidade que reconhecia a presença divina na natureza e nas culturas indígenas”.
Por Nelson Azevedo* [email protected]
Manaus (AM) ─ A publicação da encíclica Laudato Si’ em 2015 e a realização do Sínodo para a Amazônia, em 2019. marcaram o pontificado do Papa Francisco como um dos mais comprometidos com a justiça socioambiental e a defesa dos povos originários. Para Francisco, a Amazônia é mais que uma região geográfica, é um espaço teológico e existencial onde o Evangelho de Jesus Cristo se encarna de forma dramática e urgente.
A Amazônia como “lugar teológico” ─ Desde a Conferência de Aparecida em 2007, quando ainda era arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio começou a perceber a Amazônia como um “acontecer da Igreja” — um território onde a fé cristã se entrelaça com a luta pela vida, a dignidade dos povos e a preservação da criação. Essa percepção amadureceu na Laudato Si’, onde o Papa denuncia a “cultura do descarte” e o modelo econômico predatório que destrói florestas, contamina rios e marginaliza comunidades inteiras.
Desmatar é matar a Humanidade ─ No Sínodo para a Amazônia, Francisco aprofundou essa visão, afirmando que a região é “um lugar representativo e decisivo… contribui de modo determinante para a sobrevivência do planeta”. O desmatamento, segundo ele, “significa matar a humanidade”. Tão logo foi eleito, veio ao Brasil, para a Jornada Mundial da Juventude e reuniu todos os bispos e cardeais para um assunto muito importante para o planeta: a Amazônia. Daí veio a encíclica Laudato Si e a realização do Sínodo, a convocação da Igreja para debater prioridades.
Evangelho encarnado na luta dos povos ─ O Papa Francisco reconhece que os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas da Amazônia vivem o Evangelho em sua resistência cotidiana às forças que ameaçam suas vidas e territórios. Ele denuncia os maus-tratos aos povos originários, o desmatamento, a contaminação dos rios pelo garimpo ilegal, o narcotráfico e o tráfico de pessoas e órgãos como pecados que clamam ao céu por justiça.
IDHs deploráveis ─ Na exortação apostólica Querida Amazônia, publicada em 2020, Francisco expressa quatro sonhos: social, cultural, ecológico e eclesial. Ele sonha com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, preserve suas riquezas culturais, defenda a beleza natural e viva uma espiritualidade inculturada que respeite as tradições locais. Ele sabia que na Amazônia são deploráveis os IDHs a despeito da imensurável riqueza do patrimônio natural.
Dom Leonardo Steiner: o Cardeal da Amazônia ─ Em 2022, o Papa nomeou Dom Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manaus, como o primeiro cardeal da Amazônia brasileira. Para Francisco, essa nomeação é um reconhecimento da importância da Igreja amazônica e de seu compromisso com uma evangelização encarnada e inculturada. Dom Leonardo afirmou que o Papa “levou a Amazônia para o mundo” e deixou um legado de esperança para os povos da região.
A Luz que permanece ─ Em 21 de abril de 2025, o mundo se despede de Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, que faleceu aos 88 anos em sua residência na Casa Santa Marta, no Vaticano. Sua partida encerra um pontificado marcado pela humildade, coragem e um profundo compromisso com os marginalizados e com a preservação da criação.
Presença divina na natureza ─ O pontífice escreveu, exortou e se envolveu com a Amazônia; ele a escutou, a sentiu e a defendeu com fervor. O amor de Francisco pela floresta e pelos povos que nela habitam transcendeu palavras, manifestando-se em ações concretas e em uma espiritualidade que reconhecia a presença divina na natureza e nas culturas indígenas.
Legado e missão ─ Sua morte nos convoca a uma responsabilidade coletiva: não permitir que sua luz se apague. Cabe a nós, inspirados por seu exemplo, continuar a luta por justiça social, pela dignidade dos povos originários e pela integridade da criação. Que a memória de Francisco nos fortaleça e nos una na missão de construir um mundo mais justo, fraterno e sustentável.
*Nelson Azevedo é economista e líder empresarial no setor metalúrgico, metalomecânico e de materiais elétricos de Manaus – SIMMMEM, conselheiro do CIEAM, da CNI e vice-presidente da FIEAM.